terça-feira, 16 de março de 2010

NÓS MATAMOS OS NEANDERTAIS?

Esse conteúdo me foi enviado pela anula Maria Eduarda, do 7º ano B, e eu achei bem interessante compartilhar com vocês.

A costela fraturada de um homem de Neandertal, uma espécie humana extinta, leva um cientista à conclusão de que o assassino era de nossa espécie

Peter Moon

É o assassinato sem solução mais antigo da história. Ou melhor, da pré-história. O crime ocorreu há 50 mil anos. Imagine um grupo de cinco caçadores, vestidos com peles de animais e armados com facas, lanças e lançadores de dardos com afiadas pontas de pedra polida. Eles estavam no encalço de um rebanho de antílopes. Não eram os únicos. Quem também espreitava o rebanho era um bando de neandertais, armados com pesadas lanças com pontas de pedra lascada. Quando os dois bandos se encontraram, o confronto foi inevitável – assim como seu resultado.




LUTA DESIGUAL
Churchill (acima), com uma lançadeira de dardos humana e a lança de um neandertal. A superioridade bélica de nossos ancestrais teria ajudado a extinguir os primos grandalhões (abaixo, numa reconstituição facial)


Jamais saberemos se aquele embate ocorreu como descrito acima ou se tudo se resumiu ao duelo mortal entre dois indivíduos das duas espécies mais inteligentes que habitaram o planeta. De um lado, estavam nossos ancestrais, os caçadores da espécie Homo sapiens. Eles haviam acabado de sair da África. Dotados de armas sofisticadas, em pouco tempo dominariam todos os continentes. Seu oponente era nosso primo mais próximo, o homem de Neandertal, uma espécie humana maior, mais atarracada e mais antiga que a nossa, que habitou a Europa e partes da Ásia entre 230 mil anos e 20 mil anos atrás. A única evidência de que houve um confronto entre humanos e neandertais há 50 mil anos está em uma fratura na nona costela esquerda do esqueleto de um neandertal chamado Shanidar 3. Ele é um dos nove indivíduos achados, entre 1953e 1960, na caverna Shanidar, nos Montes Zagros, norte do Iraque.

Desde sua descoberta, aquele neandertal de 1,67 metro de altura é alvo de controvérsia. Como Shanidar 3 fraturou a costela? A corrente dominante da antropologia diz que o ferimento foi causado por uma queda ou pelo choque com um animal selvagem. Uma minoria vê na fratura a marca de um Homo sapiens violento. Shanidar 3 teria sido uma de suas primeiras vítimas. “A maioria dos antropólogos ainda parece estar influenciada pelo mito do bom selvagem”, diz o antropólogo americano Steven Churchill, da Universidade Duke, nos Estados Unidos. Tal mito foi criado pelo filósofo francês Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) no Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens (1755), em que afirma que a espécie humana, em sua origem, era boa e pacífica. “Os chimpanzés, nossos primos vivos mais próximos, são muito violentos”, disse Churchill a ÉPOCA. “Muitos antropólogos não querem imaginar a humanidade com um passado violento. Não é o meu caso.”
Churchill estuda o desenvolvimento de tecnologias de caça entre caçadores-coletores. Em 2003, resolveu estudar a fratura de Shanidar 3. Já se sabia que o neandertal não havia morrido imediatamente após o ferimento. Qualquer que tenha sido a origem da fratura, ela tinha começado a calcificar quando Shanidar 3 morreu – aos 42 anos, segundo a análise de sua arcada dentária.

Dado o estágio de calcificação da costela, depois de ser ferido Shanidar 3 sobreviveu por duas semanas, afirma Churchill no trabalho publicado no Journal of Human Evolution. Ele chegou a essa conclusão ao comparar a fratura de Shanidar 3 com esqueletos de soldados americanos mortos na Guerra da Secessão (1861-1865). Na época não havia antibióticos. Muitos feridos em combate morriam de infecções.

A maioria dos antropólogos ainda parece estar
influenciada pelo mito do bom selvagem


O passo seguinte de Churchill foi descobrir a causa provável da fratura. Ele recorreu às técnicas da arqueologia experimental, que tenta redescobrir técnicas do passado (com experiências como testar formas de lascar pedras para fazer pontas de facas e lanças). Churchill e sua equipe passaram uma tarde usando uma besta (um arco mecânico de precisão) para disparar dardos contra carcaças de porcos, cuja caixa torácica tem dimensões semelhantes à dos neandertais. O arco foi calibrado para simular o impacto de várias distâncias. O projétil era um dardo de bambu de 1,20 metro, armado com pontas de pedra lascada, como as dos neandertais, ou mais refinadas e afiadas, como as usadas por humanos há 50 mil anos. Os disparos variaram em angulação. Alguns foram diretos, em ângulo reto. Outros seguiram trajetórias balísticas.

Depois de limpar as carcaças, a análise das fraturas nos porcos evidenciou diversos padrões de ferimento. Os impactos a curta distância com as pontas rudimentares, simulando uma pesada lança neandertal, provocaram lesões profundas em diversas costelas – nunca numa única. Os impactos com pontas mais afiadas, simulando uma lança humana, também causaram lesões extensas. Apenas quando se calibrou o arco para simular disparos a maiores distâncias é que as fraturas nos porcos começaram a ficar menos severas, mais parecidas com a fratura de Shanidar 3. Ainda assim, impactos em ângulo reto provocavam lesões graves. Os únicos disparos que produziram fraturas semelhantes à de Shanidar 3 foram feitos a longa distância em trajetória balística, acertando o alvo num ângulo de 45 graus. Churchill concluiu que o ferimento de Shanidar 3 só poderia ter sido causado pelo disparo de um lançador de dardos – arma exclusiva do arsenal humano. “Só existe uma espécie com o tipo de arma capaz de infligir aquele ferimento. Somos nós.”

O estudo de Churchill ressuscita uma séria questão sobre a responsabilidade pela extinção dos neandertais. Para a maioria dos antropólogos, os neandertais desapareceram porque não conseguiram competir conosco pela obtenção dos recursos naturais. Nossos ancestrais caçavam com mais eficiência. Churchill pertence a um grupo que acha que o homem moderno saiu da África como o maior dos predadores. Ao invadir a Europa, a Ásia, a Austrália e as Américas, o Homo sapiens rapidamente caçou à extinção mamutes, cangurus-gigantes, mastodontes e preguiças-gigantes. Teria feito o mesmo com os neandertais? “Não estou sugerindo que foi uma guerra relâmpago, com os homens marchando pela terra e executando os neandertais”, diz Churchill. “A melhor explicação para a fratura de Shanidar 3 é o disparo de um projétil, o que demonstra pelo menos um ato de agressão entre as espécies. Nossos ancestrais contribuíram para a extinção dos neandertais e da megafauna. Mas não foram os únicos responsáveis. As mudanças climáticas dos últimos 50 mil anos também cobraram seu preço.”

FONTE: Revista Época - ciência e tecnologia



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